Estratégias de participação da mulher nos esportes de aventura

 

Volume 38, Issue 2, April–June 2016, Pages 156–162

Resumo

A presença feminina nos esportes de aventura ainda não é uma constante, pelos estigmas socialmente arraigados. Entretanto, já se podem notar iniciativas para vencer esses obstáculos. O interesse deste estudo qualitativo foi investigar os motivos de adesão e as estratégias usadas para inserção e disseminação da participação feminina em esportes de aventura. Os resultados apontam como principais motivos de adesão o gosto pelo esporte e o contato com a natureza; como estratégias para inserção nesses esportes estão a influência da família, amigos e namorado; como forma de divulgação das conquistas são usadas as novas tecnologias. Sugerem‐se novos estudos para se compreenderem outras formas de superação das mulheres para participação nesses esportes.


Abstract

The presence of women in adventure sports is not a constant, due to socially entrenched prejudice. However, it can be already noticed women’s initiatives to overcome these obstacles. The interest of this qualitative study was to investigate the reasons for adherence and strategies used for insertion and dissemination of female participation in adventure sports. The results indicated that the main reasons for adherence were the empathy with these sports and the contact with nature, the strategies for inclusion are related to the influence of family, friends and boyfriend, and new technologies are used for disseminating the achievements. Further studies are suggested to understanding the ways of overcoming difficulties faced by women for participating in these sports.


Resumen

La presencia de mujeres en los deportes de aventura no es una constante debido a los estigmas socialmente arraigados. No obstante, ya se pueden señalar iniciativas para superar estos obstáculos. El interés de este estudio cualitativo fue investigar los motivos de adhesión y las estrategias para la introducción y difusión de la participación femenina en los deportes de aventura. Los resultados indicaron que los principales motivos de adhesión fueron el gusto por el deporte y el contacto con la naturaleza; como estrategias para la inclusión en estos deportes estuvieron la influencia de la familia, amigos y novios, y como forma de difundir los logros se utilizaron las nuevas tecnologías. Se sugieren nuevos estudios para comprender las estrategias usadas con el fin de superar las dificultades con que se enfrentan las mujeres a la hora de participar en este tipo de deportes.

Palavras‐chave

  • Preconceito;
  • Feminismo;
  • Esporte;
  • Atividades de lazer

Keywords

  • Prejudice;
  • Feminism;
  • Sport;
  • Leisure activities

Palabras clave

  • Prejuicio;
  • Feminismo;
  • Deporte;
  • Actividades recreativas

Introdução

Desde antes da publicação do Decreto de Lei n°. 3.199, Artigo 54, do Conselho Nacional de Desportos, de 14 de abril de 1941 (Brasil, 1941), observa‐se que as mulheres são estigmatizadas como sexo frágil, no que concerne à prática esportiva. Nesse documento, mais uma vez isso ficou patente, uma vez que nele constava que: “[…] Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza […]”. Entretanto, mesmo com os empecilhos legais que surgiam no Brasil, as práticas esportivas atraíram e provocaram as mulheres, as quais, tentando ser indiferentes às convenções morais e sociais, paulatinamente aderiram à sua prática, independentemente do discurso hegemônico contrário.

Não é de hoje que a mulher luta pela igualdade de oportunidades sociais em diferentes contextos (Rutland et al., 2010). Entretanto, isso ainda está longe de ser uma realidade concretizada, tendo em vista o desrespeito com que ainda é tratada em diversas esferas sociais. No âmbito do esporte, de modo geral, percebe‐se a restrição ao reconhecimento da mulher, não apenas como atletas, mas até nos cargos deliberativos, ou mesmo na exacerbação da figura masculina associada ao esporte (Goellner, 2005).

No contexto do fenômeno social do campo dos esportes de aventura, esse desrespeito pela inserção feminina também parece ser evidente (Oliveira et al., 2008 and Valporto, 2006). Talvez isso se explique pelo fato de esses esportes chamarem a atenção por suas características de enfrentamento de situações‐problema, vinculadas ao âmbito do domínio do desconhecido e da presença de desafios constantes, ligados ao ambiente natural (Le Breton, 2006, Le Breton, 2007 and Schwartz, 2006), ou pelo fato de a sociedade, ainda erroneamente, conceber a figura feminina como um ser frágil.

Na tentativa de desmistificar essas atividades e superar sua visão como uma prática essencialmente adequada ao perfil masculino, algumas iniciativas já se fazem notar. De acordo com os dados divulgados pela Adventure Travel Trade Association (ATTA), em2007, um relatório anual de pesquisa sobre a Indústria do Turismo de Aventura no Mundo que envolveu 35 países, foi constatado que 52% dos turistas de aventura já eram do sexo feminino. Isso demonstra que a busca de maior inserção no campo da aventura pelas mulheres começa a despontar.

Reforçando as tentativas de vencer essas barreiras, algumas mulheres se tornam aliadas em uma luta pela igualdade de direitos nos esportes de aventura e usaram diversas estratégias interessantes. Uma delas foi evidenciada por Josiassen e Assaf (2013), os quais estudaram a possibilidade de aquisição de visibilidade social com a participação no campo do turismo. Para esses autores, os indivíduos se mostram preocupados com a avaliação de outros, motivo pelo qual são inclinados a escolher determinadas atividades, mais pelo que elas representam socialmente do que, propriamente, pelo desejo particular por elas.

As mulheres, para dar maior visibilidade às suas próprias figuras e às modalidades às quais pertencem, têm até procurado criar canais de rápida comunicação, especialmente com o ambiente virtual (Figueira, 2008). Já estão sendo vistos diversos blogs e sitespara a disseminação de dados e informações sobre a participação feminina nesses esportes.

Porém, ainda que algumas iniciativas já estejam em curso, muito se deve percorrer para promover mudanças axiológicas efetivas, capazes de revigorar a adesão da mulher aos esportes de aventura. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo investigar, junto a mulheres atletas de diferentes modalidades de esportes de aventura, os motivos de adesão e as estratégias usadas para inserção, bem como o modo como disseminam as informações sobre suas atuações.

Material e métodos

Este estudo, de natureza qualitativa, desenvolveu‐se por uma pesquisa exploratória, com o uso como instrumento para a coleta de dados de um questionário com quatro perguntas abertas. A amostra intencional foi constituída por 16 mulheres, com idade média de 34 ± 2,1 anos, praticantes de esportes de aventura, com reconhecimento nacional ou internacional em suas modalidades e por terem acesso online, por blogs,sites ou redes sociais. As participantes eram praticantes de corrida de aventura (n = 6), escalada em rocha (n = 3), mountain bike (n = 2), paraquedismo (n = 2), rafting (n = 1) eskate (n = 1).

Inicialmente, fez‐se contato com algumas mulheres, praticantes de esportes de aventura, por meio de seus blogs, sites ou redes sociais, momento em que ocorreu a apresentação do objetivo do estudo e o convite oficial para participação. De posse da anuência das atletas foi assinado digitalmente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e os questionários foram enviados por e‐mail. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Paulista, sob o número de protocolo 6313.

Os dados coletados foram examinados descritivamente, com a técnica de análise de conteúdo temático (Richardson, 2007). Foram também usadas medidas de tendência central para expressão dos resultados, média e desvio padrão, para idade e tempo de prática e percentual da média para os demais resultados.

Resultados e discussão

As participantes do estudo apresentaram tempo médio de prática nos esportes de aventura de 9,5 ± 4,2 anos, com nível de escolaridade superior completa (94%), atletas de corrida de aventura, escalada em rocha, mountain bike, paraquedismo e rafting, e ensino médio incompleto (6%), atleta da modalidade skate. As questões abertas permitiram mais de uma resposta de cada participante, o que enriqueceu sobremaneira os resultados expressos

A primeira questão versava sobre os motivos que levaram as mulheres a aderir à prática dos esportes de aventura. A resposta mais recorrente (16,5%) foi referente ao gosto e à identificação com a modalidade, seguida pela oportunidade de contato com a natureza (13,9%), vivências de sensações e emoções que os esportes de aventura propiciam, como adrenalina (8,3%), prazer (2,8%), bem‐estar (2,8%), satisfação (2,8%), imprevisibilidade (2,8%), calma (2,8%) e superação de limites (2,8%). O fato de gostar de esportes de aventura ao ar livre (11,1%) e, ainda, de esportes em geral (8,3%), o gosto pelo risco e desafio (8,3%) e o ambiente prazeroso e desafiador (2,8%) também foram relatados. Ainda foram mencionados a busca pela saúde (5,6%), a fuga da rotina (2,8%), a influência da família (2,8%) e o fato de ter conhecido o esporte pela televisão e ter procurado se aproximar (2,8%).

Pode‐se perceber que entre os principais motivos estão aqueles inerentes ao enredo psicológico e ligados às características de personalidade. Esses dados corroboram os de Gomes e Isayama (2009), visto que entre os motivos que envolvem a busca das pessoas em geral por práticas esportivas e de lazer na natureza e, em particular, as corridas de aventura está o contato com esse ambiente. Tahara (2004) destacou que, movido por inúmeros ideais, o desejo de aproximação maior e mais intenso com o meio natural é preponderante para o indivíduo praticar atividades de aventura.

Bruhns (2009) acredita que a busca pelo prazer por meio dessas práticas restabelece ligações entre os praticantes e a natureza. Essa última é não apenas tomada como ambiente de prática, mas em uma simbiose muito mais profunda. Stigliano e César (2002) observaram que o ambiente natural representa uma possibilidade de reintegração com os ambientes dos quais o ser humano se distancia nas grandes cidades e nos espaços urbanos.

Lavoura et al. (2008) relatam que se encontram fortemente expressas as aproximações de tais práticas com a possibilidade de vivência de emoções, em especial com as sensações e os sentimentos de prazer, descanso, vertigem e risco. Os autores ressaltam que a vivência de atividades desenvolvidas em contato com o ambiente natural promove momentos emocionais de grande significado.

Conforme Bruhns (2000, p. 39), a natureza representa um espaço privilegiado para o redimensionamento dos aspectos simbólicos e emocionais, tendo em vista que pode desencadear um “[…] reencantamento do mundo, opondo‐se ao desencantamento próprio a períodos anteriores, onde a estética havia sido apagada ou confinada […]”. Nesse mesmo sentido, os resultados desta pesquisa também corroboram aqueles encontrados por Paixão (2010), em que o autor vê a prática de esporte de aventura como uma opção para vivenciar fortes emoções, superar limites e (re)encontrar‐se com o meio natural.

Correr riscos controlados e vivenciar emoções diferenciadas daquelas do cotidiano, na visão de Le Breton, 2006 and Le Breton, 2007, podem servir para que os sujeitos resgatem certos encantos perdidos no cotidiano. O autor ressalta que a experiência cotidiana, sobretudo aquela que envolve o campo do trabalho, geralmente é limitada de iniciativas e de possibilidades de experimentações excepcionais, em termos de sensações e emoções, aspectos que são favorecidos na confrontação com o risco controlado, com o alargamento da sensibilidade e com o reencontro com o outro, propiciados durante os esportes de aventura.

Essas características próprias das atividades de aventura podem, de certa forma, explicar o paradoxal interesse e o desejo crescentes por esses esportes. Em um mundo demasiadamente ascético e com uma tendência a se buscar a segurança em todos os âmbitos, deliberadamente procurar o envolvimento com esse tipo de esporte com caráter aventureiro ainda parece ser um elemento que requer novos esforços para compreensão de todos os aspectos subjetivos aí envolvidos. Independentemente da modalidade esportiva de aventura praticada, seja ela na terra, na água ou no ar, para as mulheres de modo geral parece não haver diferença nos motivos de adesão à pratica. Este estudo não teve como objetivo comparar os motivos entre as modalidades e sugerem‐se novos estudos nesse sentido.

O engajamento em tais práticas também pode estar diretamente associado aos traços de personalidade, já que se percebe que essa participação pode gerar novos estilos de vida, nesse caso caracterizados como o estilo de vida aventureiro (Marinho, 2006). Isso ocorre especialmente devido ao forte componente lúdico e à aventura, associados à natureza, presente nesses esportes (Marinho, 2008). Ao se promover o encontro de corpos com a natureza, baseado no componente lúdico e de fruição deliberada, Le Breton (2006) evidencia a possibilidade de se reencontrar e potencializar novos sentidos, intensificar a sensação humana de sua presença no mundo e ampliar a possibilidade de construção da identidade ou de uma nova identidade. Para esse autor, nessa conjuntura de corpos e natureza, o sujeito tem a possibilidade de penetrar em outras esferas de sua existência ou mesmo de ver sua realidade por outro prisma.

Schwartz (2002), assim como Bahia e Sampaio (2007), enfatiza que, na busca pelos esportes de aventura, podem‐se perceber algumas condutas compensatórias dos indivíduos, como a perspectiva de fuga temporária das dificuldades vividas no cotidiano.Silva e Freitas (2010) propõem que as emoções sentidas nessas práticas que envolvem risco imaginário criam um viés subjetivo, pois o praticante vai ao encontro de um perigo aparente, revela sentidos camuflados no seu íntimo, difíceis de ser notados no cotidiano, mas revelados pelo ser humano na busca de novos significados. Portanto, os motivos expressos estão diretamente relacionados aos parâmetros das subjetividades, o que os torna ao mesmo tempo explícitos, porém intensamente complexos para análise.

A temática referente à subjetividade tem sido até considerada em estudos de Giddens (2002), Rolnik (1997) e Monteiro (2004), que evidenciam as reflexões sobre a maneira como se processa a subjetivação feita pelos sujeitos contemporâneos. ConformeMonteiro (2004), os estudos procuram salientar o modo como os indivíduos se aproximam das experiências que propiciam o contato consigo próprio e com o outro.

As alterações percebidas na sociedade contemporânea, baseadas em seu dinamismo, passam a afetar os valores e as condutas pessoais (Giddens, 2002). Isso causa ressonâncias importantes, na medida em que promovem novas configurações na maneira como os indivíduos se autoconstituem e em como se processa a subjetivação. Para Rolnik (1997), as forças provenientes dessas transformações constantes delineadas na esfera social afetam sensivelmente condutas e valores habituais, haja vista que estão permeados pela realidade da globalização. A autora também salienta o papel importante das tecnologias no contorno axiológico, impregnado de uma variabilidade e densidade cada vez intensas, que afeta até o campo das experiências subjetivas do ser humano em contato com a esfera dos esportes de aventura.

Monteiro (2004, p. 76), ao reconhecer as experiências humanas em contato com a natureza como campo privilegiado para a constituição de subjetividades, argumenta sobre a rica possibilidade de se “[…] intensificar uma relação renovada consigo próprio, com a cultura e com a alteridade, aí incluídos os outros seres humanos e os demais seres e elementos do planeta”. Essa concepção se baseia no fato de que tais experiências propiciam a “[…] reelaboração de cultura, […] constituindo‐se num essencialismo abstrato, mas aproximando‐se dos processos de singularização […]” (Monteiro, 2004, p. 75), e permitem novas formas de expressão da sensibilidade, novas percepções e maneiras de autoafirmação.

Na segunda questão referente às estratégias usadas para inserção das mulheres nos esportes de aventura, ficou evidenciado que a maioria das mulheres participantes (53,8%) iniciou nessas práticas por influência da família (24,1%), amigos (19%) e namorados (9,7%), com a participação em cursos específicos (15,4%), para as atletas de escalada em rocha e paraquedismo, e em eventos esportivos (30,8%), para as praticantes de corrida de aventura, mountain bike, rafting e skate.

Esses resultados não diferem dos dados apresentados por Amaral e Dias (2008) com relação à prática do surfe, em que foram entrevistados 10 surfistas, homens e mulheres. Constatou‐se que os principais meios de acesso ao surfe são por intermédio do estímulo da família, de amigos e por meio de cursos em escolas específicas. Com relação à influência familiar, cabe ressaltar que essa pode ser positiva no que tange ao incentivo e à motivação à prática, o que ocasiona a flexibilidade de escolha da modalidade desejada, porém não se pode descartar a existência do aspecto negativo exercido também por essa influência, que pode inibir e comprometer o desenvolvimento no esporte (Vilani e Samulski, 2002).

No caso das mulheres nos esportes de aventura, pode‐se perceber que a família pode interferir positivamente, no que concerne a representar um fator de motivação para a prática, até entre gerações da mesma família. Esse dado parece ser contrário ao do senso comum, quando a família, geralmente apoiada nos aspectos de segurança, podem representar um grande empecilho, dificultar a participação feminina, por desacreditar de seu potencial ou ainda ver a mulher como um ser frágil. Neste estudo, percebeu‐se que as famílias incentivaram a prática desses esportes e facilitaram, assim, a criação de momentos destinados exclusivamente a essas práticas e ofereceram estímulos positivos na manutenção delas.

A participação em cursos especializados, conforme Amaral e Dias (2008), pode gerar maior confiança e até propiciar melhor intercâmbio de informações, a ponto de servirem como incentivadores para as práticas de modo geral. Além disso, outra estratégia apresentada pelas mulheres foi a participação em eventos esportivos de interesse. No caso das corridas de aventura, como estratégia de popularização, diversos organizadores oferecem percursos menores, de 20 a 30 km, clínicas de iniciação e até a gratuidade de inscrição para as mulheres, como forma de incentivo à prática do esporte. À guisa de exemplo, a terceira etapa de um circuito realizado no Estado de São Paulo em 2011, válido pelo ranking brasileiro de corridas de aventura, apresentou a possibilidade de gratuidade na inscrição para as mulheres ( Geronimo, 2011).

No que se refere à terceira pergunta, sobre as dificuldades para se manterem nos esportes de aventura, foi apresentada a questão financeira (52,5%) como o principal obstáculo, seja por demanda de custos com o treinamento, compra e aluguel de equipamentos, viagens, participação em competições, ou mesmo pela dificuldade de se conseguir patrocínio. Outra dificulta apontada foi a falta de tempo (21,7%), uma vez que se torna complicado conciliar a prática e os treinamentos com os estudos, cuidados com a família e com o trabalho. Aspectos organizacionais (4,3%) também foram mencionados como facetas que oferecem resistência para a permanência nos esportes de aventura. Além desses, ainda foram citados a existência de poucos eventos (4,3%) e também a necessidade de treinos específicos e orientação profissional adequada (4,3%), a dificuldade para trabalhar e se sustentar por meio dessas práticas (4,3%), o que representa empecilhos para uma estabilidade financeira.

O alto custo que permeia os esportes de aventura já foi evidenciado em outras pesquisas, como a de Nazari (2007), Buckley (2007) e Dias (2006). Entretanto, Tahara et al. (2006) apontam que, embora tais vivências de aventura demandem um alto custo financeiro para a compra de equipamentos e a permanência nelas, a adesão a essas práticas continua em ascensão. A questão do tempo para a prática de esportes pelas mulheres já era evidenciada desde a década de 30, como apresenta Goellner (2000), existem forças opostas em que, ao mesmo tempo em que se incentivam as mulheres a gozar de liberdade, igualdade e participação ativa na sociedade, tem‐se a cobrança de preservar valores femininos e deveres, como os cuidados com o lar e filhos. Nessa mesma perspectiva, Adelman (2006) evidencia que em grande parte dos esportes, quando há o envolvimento das mulheres em competições e treinamentos, existem dificuldades de se manter nesse contexto, devido à necessidade de conciliar as responsabilidades domésticas com a longa duração dos treinamentos e com as competições, as quais, geralmente, exigem grandes deslocamentos.

Torna‐se importante ressaltar, nessa perspectiva, diversas outras dimensões que também podem estar atreladas às questões de gênero, tais como classe social, etnia, religião, profissão, compromissos familiares, entre outras. Essas dimensões podem até representar barreiras para uma maior participação e maior envolvimento das mulheres com os esportes.

Em um estudo feito por Bartram (2001), ao investigar as trajetórias das carreiras de atletas femininas de caiaque, o autor pôde constatar que as trajetórias profissionais recebem influência de diferentes fatores, a exemplo de idade, classe social, situação familiar, capacidade atlética e gênero. Esses dados reforçam a ideia da interferência das diversas dimensões anteriormente citadas às questões de gênero.

Ao abordar especificamente a modalidade corrida de aventura, Marinho (2001) aponta que o alto valor cobrado na inscrição para participar das provas, bem como as taxas adicionais, faz com que essa modalidade, muitas vezes, torne‐se elitista e apresente uma relação direta com a classe social. Por outro lado, no que se refere à questão financeira e empregatícia, alguns locais já apresentam grande crescimento no mercado da aventura, tornam‐se a principal fonte de renda para a localidade, devido à mercantilização que gira em torno do turismo e do esporte de aventura. Esse é o caso da Nova Zelândia, amplamente divulgada na mídia, que reforça as características aventureiras e emocionantes proporcionadas pelo turismo de aventura (Cloke e Perkins, 2002). Esse dado pode representar um aspecto positivo, no sentido de poder proporcionar emprego àquelas praticantes de esportes de aventura que desejam se dedicar exclusivamente a esse ramo e trabalhar nesse segmento.

No cenário nacional, pode‐se citar a cidade de Brotas (SP) e o Rio de Janeiro, a primeira considerada a “capital da aventura” (Barrocas, 2005, p. 04), a qual tem expandido a quantidade de empresas que operam nesse segmento e empregam grande quantidade de mão de obra especializada. A segunda por apresentar vários clubes de montanhismo e excursionismo filiados à federação estadual e consequentemente à confederação nacional e internacional do setor e desenvolver um trabalho ativo de inserção e capacitação de profissionais nos esportes praticados em ambiente de montanha (Federação de Montanhismo do Estado do Rio de Janeiro, 2011). Entretanto, em contexto global, faltam iniciativas para disseminação desse campo de trabalho e regulamentação dos profissionais, a fim de garantir estabilidade na área e valorização da carreira no Brasil.

As participantes praticantes de rafting e skate que apontaram não encontrar dificuldades (8,6%), por conseguir conciliar o tempo dedicado a esses esportes com o trabalho, acreditam que o mercado nessa área está favorável. O grande número de mulheres que se envolve nesses esportes contribui para facilitar a participação feminina. Ainda expuseram que vem aumentando o número de empresas interessadas em patrocinar esse tipo de esporte.

Na questão quatro, sobre as estratégias para disseminar a própria atuação nos esportes de aventura, todas as participantes apontaram a internet como ambiente propício para isso e usam blogs e Facebook. Isso é ressaltado por Castells (2009) e Moura (2009), os quais têm evidenciado os efeitos do surgimento da internet no contexto social e enfatizam, ainda, que esse é um meio altamente abrangente e, por consequência, promove a interação social e grande disseminação de informações. Por intermédio desses meios virtuais é possível expressar processos, interesses, valores e mudanças nas instituições sociais, o que ocorre até no contexto do esporte.

Buckley (2003) ressalta que a mídia vem apostando na divulgação de várias modalidades de aventura, patrocinando atletas masculinos famosos, a fim de divulgar produtos especializados, como calçados, veículos e vestuário, e tem obtido êxito nas iniciativas. Entretanto, não se tem registro específico do mesmo sucesso em relação ao público feminino de atletas. Existe a necessidade de se buscarem novas estratégias com os recursos tecnológicos e as mídias, para promover maior número de mulheres atletas e equipes, por meio de investimentos nesses esportes, concomitantemente à procura por patrocínios em diferentes nichos do mercado, visto que a maioria apresentou o fator financeiro como agravante.

Com relação às redes sociais, vem crescendo significativamente o acesso a esses meios de comunicação virtual. Khan e Jarvenpaa (2010) ressaltam que alguns eventos, como os relacionados às diversas modalidades de esporte de aventura, já são divulgados por meio dessas redes. Esse parecer ser o caso das mulheres praticantes de esportes de aventura, que usam essas tecnologias para disseminação de suasperformances, servindo até como um meio de aglutinação entre elas e de fortalecimento de grupo.

Pempek et al. (2009) também ressaltam o uso das redes sociais, como as mencionadas pelas esportistas participantes, não apenas entre as jovens, mas até por mulheres em outras faixas do desenvolvimento humano, para poderem atualizar suas páginas, disponibilizar informações e manter‐se atualizadas. Em seu estudo sobre a era da informação e as ressonâncias do avanço tecnológico nas culturas e nas sociedades mundiais contemporâneas, Castells (2009) salienta as transformações importantes ocorridas nesse setor e suas interferências nos outros campos da vida social. O autor evidencia que esse avanço traz consequências positivas e negativas, haja vista que podem não apenas aproximar o mundo e os mercados, mas também distanciar ainda mais os países que não se tornarem potências no desenvolvimento tecnológico.

Isso pode ter consequências drásticas e significativas até no que se refere à perspectiva de igualdade de direitos mundiais. Sobretudo no caso das mulheres participantes do estudo, o uso de recursos tecnológicos representa uma forma de se impor e vencer os obstáculos ainda existentes no que se refere à liberdade de participação no campo das vivências na aventura. Entretanto, essa oportunidade deve ser dada igualmente a todas. Certamente, esses entraves necessitam de novos direcionamentos, com o intuito de promover novas reflexões, capazes de ampliar as possibilidades e oportunidades igualitárias a mulheres em todos os países de decidir espontaneamente a respeito da participação nas vivências com as quais tenham afinidade.

Conclusão

Com base nos resultados do estudo pode‐se perceber que as mulheres se inserem nos esportes de aventura sobretudo pelo gosto e pela identificação com as modalidades, que permitem o contato mais intenso com o ambiente natural, ou urbano, no caso doskate. A iniciação nessas práticas se dá, principalmente, por intermédio da família e até com a participação de cursos e eventos para se atualizar e fortalecer a noção de grupo.

As participantes usam as novas tecnologias como estratégia para se desenvolver no esporte e para disseminar suas próprias atuações. O estabelecimento de redes sociais para divulgar suas conquistas, motivações e anseios parece ser uma estratégia importante adotada para vencer em conjunto as barreiras estigmatizantes ainda presentes nesse segmento esportivo. Esse aspecto está intimamente relacionado com as transformações que ocorrem no espectro da vida social, que implantam novas formas de comunicação e infinitas possibilidades de disseminação de valores e condutas.

A superação de obstáculos decorrentes do alto custo dos equipamentos e das viagens para competições são ainda aspectos a ser repensados. Assim também, a visibilidade da mulher nesses esportes e o respeito a suas iniciativas tornam‐se desafios a serem superados, no desejo de consolidação como profissionais nesses esportes.

Tornam‐se importantes novos esforços, a fim de contribuir para ampliar as possibilidades de atuação das mulheres nos diversos segmentos da aventura, seja na condução da atividade em si ou em cargos administrativos. Com o aumento da permanência e maior envolvimento das mulheres no mercado da aventura, podem‐se ampliar as chances de superação do problema referente ao aspecto financeiro para permanecer na atividade, destacado pelas participantes.

Novos direcionamentos devem ser apontados, capazes de traçar reflexões que contribuam para se compreenderem mais densamente as transformações feitas em si próprio e na sociedade, com base na participação em experiências que focalizam os esportes de aventura pela população feminina. Também é premente que se reconheçam as intenções e tensões subjacentes, causadas pelas diversas formas de estigmas ainda presentes no âmago desses esportes, especialmente no que se refere à participação feminina, para se promoverem novas estratégias de superação.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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    • Emoções e riscos nas práticas na natureza: uma revisão sistemática
    • Motriz, 16 (1) (2010), pp. 221–230
    • Stigliano e César, 2002
    • B.V. Stigliano, P.A.B. César
    • Turismo de aventura: a busca de seu significado através da análise qualitativa de praticantes
    • Turismo ‐ Visão e Ação, 5 (11) (2002), pp. 41–50
    • Tahara, 2004
    • Tahara, A.K. Aderência às atividades físicas de aventura na natureza, no âmbito do lazer. 2004. 96 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Motricidade) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2004.
    • Valporto, 2006
    • O. Valporto
    • Atleta, substantivo feminino: as mulheres brasileiras nos jogos olímpicosCasa da Palavra, Rio de Janeiro (2006)
    • Vilani e Samulski, 2002
    • L.H.P. Vilani, D.M. Samulski
    • Família e esporte: uma revisão sobre a influência dos pais na carreira esportiva de crianças e adolescentes
    • E. Silami Garcia, K.L.M. Lemos (Eds.), Temas atuais VII: educação física e esportes, Editora Heath, Belo Horizonte (2002), pp. 9–26

 

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